O
projeto, do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), é uma resposta a uma
preocupação antiga de entidades médicas. O suicídio é um grave problema de
saúde pública. Faz mais vítimas do que a guerra e os homicídios, somados. É a
segunda causa de morte de jovens no mundo. Mata mais do que o HIV. E apesar
dessa gravidade, ainda é um tabu, cercado de preconceitos e do qual pouco se
fala.
Doze
mil pessoas se matam a cada ano no Brasil, e os números estão crescendo. A
maioria dessas mortes poderia ser evitada, sustentam profissionais da área. Mas
o tabu prejudica a prevenção, impedindo que mais gente em sofrimento procure
ajuda. Por isso, é preciso falar sobre suicídio, rompendo o silêncio para
informar a população.
—
Temos 800 mil casos de suicídio por ano no mundo. Esse problema precisa ser
debatido abertamente, não pode ser ignorado — diz Garibaldi, que acredita que a
campanha ajudará a reduzir essas mortes no país.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece o suicídio como prioridade e
ressalta que as mortes, em 90% dos casos, podem ser prevenidas, se quem está em
risco receber assistência.
A
organização conclamou os países-membros a diminuir a incidência em 10% até
2020. O Brasil é um desses países. Aqui, porém, os números estão aumentando
(veja quadro).
Entidades
médicas criticam a falta de campanhas governamentais de prevenção e a
insuficiência da rede pública de atenção psicossocial, que inclui, entre outras
estruturas, os centros de atenção psicossocial (os Caps, que hoje são quase 2,5
mil no país). Também condenam a lentidão do governo em tirar do papel as diretrizes
nacionais de prevenção ao suicídio, de 2006.
Agora,
11 anos depois, o governo deve lançar em setembro o Plano Nacional de Prevenção
ao Suicídio. O anúncio foi feito pelo coordenador de Saúde Mental do Ministério
da Saúde, Quirino Cordeiro Junior, durante a audiência pública promovida na
quinta-feira pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) para instruir o projeto de
Garibaldi. O plano terá três eixos principais: fortalecimento do cuidado com
pessoas com transtornos mentais, já que a presença desse tipo de transtorno é o
principal fator de risco; ações de prevenção; e foco em informação e mídia.
Cordeiro
anunciou também uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV) para
disponibilização de um telefone gratuito de atendimento. O serviço do CVV não é
cobrado, mas as ligações para o 141 pagam pulso telefônico. O número gratuito
(188) já está funcionando no Rio Grande do Sul. A gratuidade, inclusive para
quem liga de celular, resultou em um aumento de ligações para o serviço.
Doenças mentais
Garibaldi
relata que decidiu apresentar o projeto após ser procurado por integrantes da
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que expuseram a ele a importância
de combater o estigma em torno do suicídio e também da doença mental. Por isso,
outro foco da Semana de Valorização da Vida será mobilizar a sociedade contra o
preconceito em relação a essas doenças, que estão diretamente relacionadas ao
risco de morte autoinfligida.
Coordenadora
da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da ABP, a psiquiatra Alexandrina
Meleiro explica que, segundo a literatura médica mundial, a grande maioria das
pessoas que se suicidaram tinha, ao menos no momento do ato, uma patologia
mental, como depressão, e não foi devidamente tratada. Esses casos eram
passíveis de prevenção, diz. Para a psiquiatra, é preciso deixar de ter medo de
falar sobre o assunto:
—
Se conseguirmos vencer o preconceito contra a doença mental, vamos poder
identificar e tratar mais pessoas que precisam de ajuda.
A
presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, Maria Dilma Teodoro,
ressalta que o desconhecimento da sociedade sobre a depressão e outros
transtornos mentais impõe uma dor extra a quem sofre do mal:
—
Na depressão, que é uma das patologias com maior prevalência de suicídio, as
pessoas acham que você não é forte, que tem que reagir. Não entendem que você
não consegue reagir porque tem uma doença que traz alterações cerebrais que
fazem com que surjam aqueles sintomas.
Isso
faz com que o indivíduo, quanto mais é criticado, mais se recolha e se sinta
incapaz, às vezes buscando o suicídio para aliviar o sofrimento, diz ela:
—
Por causa desse preconceito, dessa dificuldade de buscar ajuda, estamos
perdendo pessoas, e famílias estão sofrendo.
Baleia Azul
Desde
abril, um repentino interesse pelo tema tomou conta das conversas na mídia, nas
escolas, nas famílias. Um falso jogo virtual, o Baleia Azul — acusado de
incentivar a automutilação e o suicídio entre jovens —, e uma série sobre uma
garota que se mata, Os 13 Porquês (13 Reasons
Why, no original), alarmaram a opinião pública, trazendo à tona um problema
que costumava ficar encoberto. No Brasil, o suicídio vem crescendo mais entre
os jovens do que em outras faixas etárias. Na população em geral, o número
aumentou 10% desde 2002. Entre jovens, cresceu 33%.
Para
entidades como a ABP e o Conselho Federal de Medicina (CFM), que em abril
lançaram uma nota pública para esclarecer a população sobre o Baleia Azul,
esses acontecimentos foram uma oportunidade para orientar sobre o problema. Na
nota, as entidades alertam para o equívoco de simplificar o comportamento
suicida, associando-o a uma única causa, e esclarecem sobre a relação com
transtornos mentais, lembrando que crianças e adolescentes em sofrimento estão
mais vulneráveis a conteúdos desse tipo. A nota também orienta pais, escolas e
profissionais de saúde a estarem atentos para identificar condutas de risco.
Mas
se serviu para despertar o interesse pelo assunto, por outro lado a reação aos
dois eventos mostrou o despreparo de parte da mídia ao lidar com o tema e a
incapacidade da população de discernir entre boatos e informações verdadeiras
na internet, avaliam especialistas.
Durante
a audiência na CAS, o psicólogo e diretor de Educação da SaferNet Brasil,
Rodrigo Najm, afirmou que o desafio Baleia Azul surgiu de uma fake news (notícia falsa) divulgada na Rússia,
em 2016, e que se alastrou por causa da cobertura sensacionalista da imprensa.
A notícia teria chegado ao Brasil ironicamente no dia 1º de abril, veiculada
por uma emissora de TV, e passou a ser disseminada na mídia e na rede, sem que
houvesse preocupação em checar as informações.
Investigações
feitas pela SaferNet (associação de defesa da cidadania e dos direitos humanos
na internet) e outras entidades concluíram que não há um grupo estruturado por
trás do desafio, e sim pessoas em vá- rios países que se aproveitaram das
falsas notícias para atrair seguidores ao suposto jogo. Com isso, o que era
boato tornou-se um risco real, diz Najm.
O
psicólogo ressaltou que é importante não demonizar a internet, e sim usar o
poder da rede para multiplicar informações corretas e falar de prevenção.
Jovens em risco
Gabriela
tinha 13 anos quando tentou se matar pela primeira vez. Ficava triste por não
entender o que estava sentindo. Com o tempo, passou a achar que não havia
saída. Ela ainda não sabia que sofria de depressão.
—
Na época, não tive coragem de falar com meus pais. Não conseguia expressar
verbalmente o que estava sentindo. Tive medo.
Em
situações de angústia, ela fazia cortes nos braços e nas pernas, como forma de
aliviar a dor. Depois de duas tentativas de suicídio, resolveu pedir ajuda e
viu que não estava sozinha.
—
Cheguei a um ponto em que me deixei ser ajudada. E isso foi crucial para
conseguir melhorar — diz, lembrando que “ninguém tem culpa de ter uma doença
psicológica, não é algo que a pessoa escolhe ter”.
O
relato de Gabriela, hoje com 21 anos, integra a reportagem “Prevenção ao
Suicídio — É preciso falar. É possível salvar vidas”, da Rádio Senado, que em
abril ganhou o Prêmio de Comunicação da CNBB.
O
depoimento expressa a complexidade de perceber condutas de risco em jovens. A
psiquiatra Alexandrina Meleiro diz que os pais precisam estar atentos para
identificar sinais de depressão ou ideação suicida em uma fase em que as
alterações de humor e de comportamento podem ser vistas como “coisa de
adolescente”.
Além
da depressão, o abuso de drogas (especialmente o álcool), o bullying, o abuso sexual e a agressão física
estão entre os fatores que podem levar a condutas de risco.
Mudança
brusca de comportamento, isolamento social, abandono de atividades prazerosas e
tristeza persistente são alguns dos sinais de alerta. Os pais também devem
perceber alterações do sono e apetite, queda no rendimento escolar, lesões sem
razão aparente (sugerindo automutilação) e mensagens de desesperança, despedida
ou com conteúdo de morte nas mídias sociais. Se algo for observado, é preciso
conversar e procurar tratamento, diz ela:
—
Os adolescentes sofrem calados muitas vezes, porque têm vergonha de dizer o que
estão sentindo. Os pais devem abordar o assunto com carinho, atenção e
sobretudo compreensão. Não questione seu filho já com crítica, julgamento,
represália. É a compreensão, o estar junto, que fará com que ele possa se abrir
e ser cuidado.
Ela
cita também a importância de fatores protetivos, como família, amigos ou crença
religiosa.
Apoio emocional
Em
abril, quando o tema suicídio ganhou a mídia, o posto de atendimento do CVV de
Brasília teve um aumento de 150% nos atendimentos. Para o voluntário Marcio
Peixoto, isso mostra que, quando o assunto é divulgado de forma correta na
mídia, com foco nas formas de prevenção, mais pessoas procuram o serviço.
—
As pessoas querem falar, dividir sua angústia, e muitas vezes têm vergonha de
se abrir com um familiar ou um amigo. O que fazemos é ouvir de forma empática,
verdadeira, e com sigilo. Não temos registro de quem liga. Estamos aqui para
dar atenção a quem nos procura, não para julgar.
Criado
em 1962 no Brasil, o CVV é um serviço de utilidade pública que oferece apoio
emocional e prevenção ao suicídio. O centro registra 1 milhão de atendimentos
por ano no país e tem 2 mil voluntários treinados.
Em
Brasília, 60 voluntários atuam para manter o atendimento 24 horas por dia,
todos os dias. Atendem pelo telefone 141 e por chat, e-mail e Skype.
Peixoto
diz que, muitas vezes, a tentativa de suicídio é um pedido de ajuda. A pessoa
quer se livrar do sofrimento, e não necessariamente tirar a própria vida.
—
É importante ouvir as pessoas. Isso é algo que quase não se consegue fazer hoje
em dia. É importante que a gente olhe em volta, observe quem está no nosso
entorno: pode ser alguém em sofrimento. É preciso estar atento para poder
ajudar.
Fonte:
Senado Noticias
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